CONTO: UM TANTO COMO OS OUTROS SORVETES


— Eu juro que não fiz nada! Tem que acreditar em mim! Eu sou inocente! Quero que este teto desabe sobre minha cabeça se eu estiver mentindo! — exclama de forma perturbada.

— Que teto seu imbecil? Estamos ao ar livre. E não venha outra vez com essa conversa de que não fez nada. Todos sabem que você é o culpado e ponto. E desta vez farei com que pague o preço justo pelos seus atos.

— Ai! meu Deus… Agora ferrou de vez… — lamenta, enquanto segue a justificar-se.
Meu nome é Abreu… Não! Absolutamente não! Que mania de achar que sou o Abreu, aquele que te… Esqueça desta ideia, pois, sou apenas o Abreu Januário Bordas Quitanda, filho de dona Maria Bordas Quitanda e de Pedro Fino Pomposo Quitanda, neto do Senhor Azevedo Pomposo Quitanda, mais conhecido como “Seu Quitanda”. 

O que? Há! Claro, como eu iria me esquecer… 

Na verdade eu não iria me esquecer, mas a sua pressa se colocou a frente de minhas palavras, antecipando-se ao fato de eu não haver mencionado o nome de minha avó, mas é obvio que eu não iria deixar de dizer um nome tão lindo, como o da senhora Azara de Correia Basta de Pomposo Quitanda, que além do belo nome, é uma senhorinha daquelas tradicionais, sabe? Não? Não! Não tem nada a ver com a criação tradicional. Não! Pelo amor de Deus… Também não tem nada a ver com a origem dela, que saco! Não e não! Ela nem veio da Europa! Ela é daqui mesmo deste doentíssimo país… O que? Foi o que eu disse! Esta achando que sou doido? Eu disse exatamente isso! Quer que eu repita? Ora essa, só pode estar de brincadeira… Eu disse: Ela é deste digníssimo país! Ué!… Mas pode me deixar continuar? Ou vai me interromper outra vez? Que seja então… 

Quando digo uma senhorinha tradicional, me refiro a falta de memória, as dores nas costas, aos bicos de papagaio, a famosa labirintite; e sem esquecer de falar das inúmeras rugas. Como tem rugas essa minha avó, você nem imagina. E a pobrezinha de uns anos para cá, vem reclamando que não ouve e nem enxerga direito. Mas outro dia, estava eu, enroscado com a Catita, a minha vizinha; estávamos debaixo de um lençol no sofá da casa desta minha tradicional vovó. E não é que a danada, mesmo eu fazendo tudo no maior silêncio… O que você acha que eu estava fazendo? Deixa de ser idiota, e pare de me interromper! Catita, até que não é daquelas que se diga, nossa! Como ela é silenciosa! Mas levando em consideração que minha avó vivia reclamando que não ouvia nem enxergava bem, achei que aqueles gemidos de Catita iriam passar despercebidos; mas a velha é esperta, e nos pegou no pulo. E é claro, foi correndo contar para o senhor Quitanda. O resto? Não! O resto nem vou dizer… Mas saiba que se um dia aprontar algo diante dos olhos, ou do conhecimento desse meu avô, rogue por suas nádegas, pois a vara de bambu que ele guarda atrás da porta do quartinho da bagunça, canta, e como canta…

Pode esperar um pouco? Mas que pressa! Eu já disse que meu nome é Abreu Januário Bordas Quitanda? Filho de dona Maria Bordas Quitanda e de Pedro Fino Pomposo Quitanda, neto do Senhor Azevedo Pomposo Quitanda e de Dona Azara de Correia Basta de Pomposo Quitanda? Está vendo como você me atrapalha? Eu quase deixei de falar do meu irmão mais novo. Tudo bem que não acho que ele tenha muita importância nesta história. Como não? Não tendo, ué… Você que esta dizendo! Mas quer saber: A história é minha! Então, atribuo importância à quem eu achar que devo. E você, por favor, fique quieto, está me distraindo…

Onde eu estava? Há! Sim… Esse meu irmão… Já disse o seu nome? Não? Está bem… Como eu dizia. O meu irmão mais novo chamava-se: Tadeu Januário Bordas Quitanda; e ele tinha 4 anos a menos que eu… Então, se eu tenho 16 anos, ele tinha 12, ou ainda iria completar 12? Não me recordo. Mas que seja… O fato é que: tudo, qualquer coisa, o que seja que aconteça de errado na família, a culpa nunca jamais foi atribuída a este meu querido irmão, e eu acabo sempre pagando o pato de tudo… Bem, se duvida do que eu digo… Momentos antes de iniciarmos esta conversa… Como não? Qual foi a primeira coisa que ouviu? Meu Deus… Como é difícil… Tem gente que demora para cair a ficha. Mas vamos lá… 

Estava eu, aos berros, tentando me livrar da coça que… Isso… Isso foi ontem? Que seja… Neste exato momento em que eu dizia, ou melhor, gritava: 

— Eu juro que não fiz nada! Tem que acreditar em mim! Eu sou inocente! Quero que este teto desabe sobre minha cabeça se eu estiver mentindo! 

Antes tivesse caído o teto! Há! Sim, é que não foi com você! 

Já sentiu alguma vez, o peso da mão do senhor Pedro Fino Pomposo Quitanda? Nem queira! Chega a ser pior que as varadas de bambu do senhor Quitanda, meu avô. E eu, melhor que ninguém, posso dizer.

Só para você entender:
Outro dia, estava eu: belo, lindo, charmoso, andando pela casa. E ai quem estava com a cara metida na geladeira, surrupiando o sorvete de chocolate com amendoim? Justamente! O pentelho do Tadeu. Meu querido irmão. Ai! eu, sentindo-me indignado com o furto, resolvi aplicar-lhe um castigo, já que o senhor Pedro Fino Pomposo Quitanda, que é o homem que ocupa tal cargo na família, não estava em casa, então… Cheguei bem perto; tomei todo cuidado para o pirralho não perceber a minha presença; andei nas pontas dos pés até chegar tão perto, mas tão perto, que pude perceber ao olhar por cima dos ombros do pentelho, um enorme espaço entre a segunda e a terceira prateleira da geladeira, e como sabe, sou muito bom em calcular espaços e medidas só com o olhar, e de pronto pude averiguar, que pelo tamanho do meu irmão, comparado ao espaço vago na geladeira, nem pensei… Enfiei o safado lá dentro, e fechei a porta… 

Claro que eu iria abri-la depois! Acha que sou louco? Ou acha que em vez de sorvete de chocolate com amendoim, eu iria preferir sorvete de Tadeu Januário Bordas Quitanda? Eu hein…

Sim! Mas a culpa não foi minha… Eu iria esperar alguns minutos e tira-lo de lá, mas ai… 

A minha queria mamãe, dona Maria Bordas Quitanda, me gritou lá da lavanderia. E como sabe, sou um filho muito obediente, e fui logo ao primeiro berro da velha. Ai, já sabe… Ela pegou uns trocados do bolso do avental, e me mandou ir até a venda do seu Gomes, para comprar sabão em pó; e já com certa irritação me recomendou que lhe trouxesse o troco certinho, sem faltar uma moeda sequer; e antes que meus ouvidos estourassem, eu fui num pé só… 

Como a inflação desse nosso país é mais evoluída que qualquer outra coisa; chegando lá; não era que o bendito sabão estava mais caro? E a ninharia, a qual minha mãe me entregou, não era o suficiente para comprar o sabão… 
Ai! estava eu, com uma tristeza profunda e um medo danado, voltando no outro pé, para pegar o restante do dinheiro, quando… Não é que o senhor Gomes, muito bom como sempre foi, me disse: 

— Rapaz, olha só… Faltam lhe algumas moedas para pagar o sabão de dona Maria, certo? E eu aqui pensando com os meus botões, pensei: Que tal você me fazer um favor? E em troca, eu lhe vendo o sabão pelo trocado que você traz, sem que precise ir até sua casa pegar o restante que falta. O que acha?

Ai! pensei eu: “ Minha mãe vai ficar furiosa com o aumento do sabão! E quando ela fica furiosa, eu sei muito bem em quem ela vai descontar, além de que, ela é bem capaz de não fazer aquele bolo de cenoura que me prometeu ontem”. 

— Está bem, senhor Gomes, mas o que tenho que fazer? 

— Ó, rapaz, é um favor muito simples… 

— Está bem, mas me diga. 

— Você deve ter ouvido o comentário que circula na vizinhança, de que eu e a dona Bete, mulher do Zé… Isso mesmo: o serralheiro. Dizem que estamos de caso, você ouviu? Então… Mas sabes que tudo isso não passa de uma grande mentira, não sabe? Que bom! Assim fico mais tranquilo… O caso é que: outro dia, antes do Zé (Serralheiro) descobrir tudo, minha mulher me mandou arrumar uma banqueta; uma banqueta bem velha. Na verdade, nem sei para que a diaba quer a maldita banqueta. Mas o caso é que: Mandei o Serralheiro consertar a peça, e agora a minha santa mulher, que nada sabe desta história milonga entre eu e a minha amante, esta me enchendo o saco por conta da banqueta; quer por quer a maldita banqueta de volta, tenha o Zé (Corno) consertado ou não; mas como eu dizia: o caso é que, se eu der as caras lá, o homem já disse que me arranca os frutos galináceos. Então pensei: e se você fosse até à serralharia e arrumasse um jeito de me trazer a banqueta? Eu, além de não lhe cobrar o aumento do sabão, deixaria você escolher o doce que quiser. O que acha? Você é um negociante nato em rapaz. Esta bem! Te deixo escolher o doce que quiser durante uma semana inteira. Estamos acertados?

E depois de fixado o acordo de cavalheiros entre o senhor Gomes e eu, fui até a serralharia. O que? Você nem imagina! Mas se calar a boca e me deixar continuar, vai saber de tudo.

Assim que pisei na bendita serralharia, quem me vem logo perguntar o que eu desejava? Não! Não foi o Zé! Foi a filha dele, a Melissa… Uma beleza de garota, bojuda que só. Uma delícia. Muito mais bonita que Catita e muito mais velha também, levando em consideração que Catita só tem 13 anos, e a filha do serralheiro deve ter seus 18… Mas o fato é que: o gostosão aqui, conquistou os olhares desta mocinha bem arrumada, há se conquistei… E em alguns minutos em que fiquei parado a sua frente, imaginando o que eu poderia fazer com aquele corpinho sinuoso, ouvi ela dizendo: 

— Diga menino! O que você quer? Perdeu a língua? 

Não ria! É que você não entende nada de mulheres, por isso não percebe que no fundo ela estava caidinha por mim. Mas ai sim, me vem o Zé. E assim que vi aquele homem gigantesco e muito feio bem na minha frente, entendi por qual motivo sua mulher o traia, e também o porque do seu Gomes se mostrar com tanto medo. Mas eu, como destemido que sou, não pude deixar de encara-lo com toda severidade; e só desviei o olhar quando ele olhou na minha direção. É sério! Eu realmente encarei o sujeito de uma forma… Mas me deixe prosseguir…
Quando esse tal Zé (Serralheiro? Corno?), me perguntou com uma voz que mais parecia um vulcão entrando em erupção, o que eu queria, eu pensei: “Se eu falar a verdade, esse gigante é bem capaz de ir até a venda de senhor Gomes, e partir-lhe a cara” E Pensei também: “ E se ele partir a cara do senhor Gomes, este por sua vez, não fará o desconto no sabão; o que vai deixar minha pobre mãe, além de mais pobre, muito irritada” E pensei ainda mais: “ E eu, que não tenho nada a ver com a história, além de aguentar a braveza de minha mãe, vou ficar sem os doces que o velho me prometeu” Então… Eu muito esperto que sou, respondi ao Zé (Corno):

— Eu vim lhe pedir um emprego!

Perguntou-me o corno.

— Quer trabalhar aqui, rapaz? 

— Não é nem que eu queira, meu senhor; mas preciso! Minha família é pobre por demais; e chegamos em um estágio tão lastimável, que estamos até passando fome…

Eu sei, que isso não é verdade! Mas o que queria que eu disse-se? Isso foi o melhor que me veio em mente no momento. E nem foi porque eu vi uma placa pendurada na parede escrito: Precisa-se de ajudante. Foi mesmo ideia minha! Pode apostar…

Ai, cinco minutos depois, estava eu, vestido com um avental sujo, repleto de serragem por todos os bolsos; além do tamanho que não era o meu; era um avental de um adulto dos bem grandes, talvez fosse até do Zé, mas na situação em que eu estava, qualquer queixa poderia por tudo a perder; e convenhamos: uma semana de doce grátis vale qualquer sacrifício.

O inicio desta história, que parte desde o momento em que meu irmão roubava o sorvete de chocolate com amendoim, ocorreu por volta das 10:00 horas da manhã, e o tempo passou tão rápido, que quando terminei o expediente de trabalho, já era por volta das 17:00 horas. Mas a espera valeu a pena, pois assim que o relógio que ficava pendurado bem acima da mesa do Zé, bateu 16:30, esse meu ilustre patrão, me pediu para varrer toda sujeira e foi se recolher. Eu nada bobo, como você já deve de ter notado, não varri foi nada. Tratei logo de achar a maldita banqueta da mulher do vendeiro, e por sorte, esse havia me feito um relato completo da banqueta. Relato, o qual descrevia: que a tal banqueta era feita de uma madeira bem escura e lustrosa, e possuía o acento estofado, coberto por um tecido azul-escuro; com os pés sobre uma espécie de borracha, tipo aquelas usadas para fazer solas de botina de soldado; entre outros detalhes. E esse relato me foi de grande serventia para encontra-la, apesar que só havia uma única banqueta em toda serralharia, e era logo a maldita. Por fim, surrupiei a danada! Claro que senti medo! Sim, também fiquei com um pouco de remorso! Mas… Ao ver a cara de felicidade do seu Gomes quando entrei na venda com a banqueta, todo medo e remorso transformou-se em alegria.

Assim que peguei o sabão em pó, e escolhi um daqueles doces de goiaba. Isso! Aqueles em forma de triângulo, coberto com açúcar cristal, que vem enfiado em um palito de sorvete. E neste momento, por falar em sorvete, lembrei do meu irmão caçula e fui correndo para casa… 

Quando cheguei em casa, minha mãe estava uma arara, já esbravejava até com o pobre do papagaio, que teimava em repetir o tempo todo: Puta que pariu, onde se meteu esse moleque? Puta que pariu, onde se meteu esse moleque? Mas assim que lhe entreguei o sabão, e umas moedas de troco, porque é claro, depois de tudo, pedi um bom desconto ao vendeiro, a modo de açucarar a minha mãe; ela pegou o sabão, o troco, e esqueceu do resto. Assim são as donas de casa: Com pouco já estão completas…

Há! Sim… O meu irmão, vulgo picolé. Fui correndo para a cozinha… Assim que abri a geladeira, o sorvete ainda estava lá. Não! Seu animal! Não estou falando do sorvete de chocolate com amendoim, estou falando do Tadeu. Estava lá feito um picolé, durinho; saia até fumaça dos seus ouvidos. 

Vivo? Deixa de ser burro! Acha que uma pessoa que passou o dia na geladeira, e a qual acabo de lhe dizer que estava duro feito pedra, e que saia fumaça até de suas orelhas, pode estar vivo? Naturalmente não! Estava morto, e bem morto. Ora, o que eu fiz… Tirei ele de lá antes que estragasse as frutas que estavam na parte de baixo da geladeira. 

Claro que nem minha mãe, e nem ninguém, poderiam saber que eu havia trancado meu irmão mais novo na geladeira, e que esse virou um sorvete igual aquele que ele pretendia surrupiar, afinal, qualquer um ficaria muito triste em saber que tem um ladrão em sua família.

Meu Deus! Mas como me interrompe! Shhhh…

Peguei o ladrão safado e levei para a garagem, e lá deixei ele por algum tempo; até pensei que ele pudesse derreter, assim me evitando tamanho trabalho que tive depois, mas, o bicho estava tão duro que nem com reza brava derretia. O que eu fiz? Está louco? Eu já te disse, não podia contar para ninguém da minha família, iriam ficar decepcionados com o ladrão.
Bem, Não foi fácil, mesmo para uma pessoa inteligente como eu, tive que pensar muito no que fazer para esconde-lo, pois chegaria à hora em que sentiriam sua falta, então…

Voltei até à garagem. Mas desta vez fui mais esperto; levei uma faca bem afiada, e picotei ele todinho… Claro que foi uma ótima ideia! Mas assim que comecei a cortar, não é que o safado começou a derreter? Tudo para me provocar! Pois se ele tivesse derretido quando eu fiquei ali torcendo para isso, teria me poupado; mas eu conhecia bem esse pilantra, sempre querendo me provocar… Há! Mas desta vez ele se deu mau, pois assim que vi, que ele para me azucrinar, estava se derretendo todo, eu peguei alguns saquinhos, sabe? Daqueles de fazer geladinho? Isso! Esse mesmo! Aqueles sorvetes caseiros, que as donas de casa, cujos maridos comem muito, ganham pouco ou não trabalham, fazem para distrair o espaço vago na geladeira, e para ajudar na renda familiar, enquanto o vagabundo do marido enche a cara e assiste TV o dia todo. Este é o caso de uma vizinha minha, e possivelmente o caso de alguma vizinha de qualquer pessoa… Se lembra de alguma?

Mas me deixe seguir… 

Peguei o safado e o coloquei dentro desses saquinhos, e logo o devolvi à geladeira. 

Acha que estou brincando? É sério… Ele parecia aqueles geladinhos de abacaxi com resto de outras frutas, misturado com groselha. Enfim…

Enquanto minha mãe servia o jantar, meu pai que acabara de chegar do trabalho, justamente no mesmo instante em que minha avó Azara de Correia Basta de Pomposo Quitanda e meu avô, o senhor Quitanda, os quais serravam a boia todos os dias em minha casa, começavam a perguntar sobre a ausência do fedelho. Eu? Fiquei bem quieto… E assim que se cansaram de perguntar por ele, ou o esqueceram ao sentirem aquele cheirinho delicioso de feijão com carne seca, se puseram a comer, assim parando de falar. E eu fiquei bem quietinho em meu lugar, enquanto deliciava o jantar, o qual, pela primeira vez, desde o nascimento do meu querido irmão, eu conseguia engolir em paz. Mas meu pai, é daqueles homens, que no caminho do trabalho para casa, vai parando de bar em bar, e não sei aonde, o velho ouviu dizer que eu andei carregando uma banqueta velha pela rua, e claro, quis ouvir da minha boca do que se tratava tais comentários, acabando com a minha paz tão aclamada. Ai fui obrigado a contar o que aconteceu: o sabão, o dinheiro, a traição do vendeiro com a mulher do serralheiro, o acordo entre o senhor Gomes e eu, Melissa, o avental, a banqueta, o emprego; até o furto fui obrigado a confessar, porque uma hora ou outra, o serralheiro iria descobrir que eu era filho de Pedro Fino Pomposo Quitanda e lhe contaria tudo; e como não sou de mentir, contei eu mesmo. 

Claro que ele ficou furioso! Que pergunta…  Mas ai, eu disse que fiz tudo de bom coração, e que a minha intenção era a melhor possível; e que com isso, consegui o meu primeiro emprego, mesmo que só tenha durado meio período de um único dia, e ainda consegui um desconto no sabão de minha mãe. Neste momento meu pai já começava a se tranquilizar; e eu para reforçar que minha boa ação não parava por ai; enfatizei o fato de que além de tudo, livrei o velho vendeiro de ter que se entender com a mulher por conta da banqueta, antes que a explicação tivesse a virtude de chegar à mulher do serralheiro. Ai! meu pai de furioso, passou a orgulhoso. E como não sou besta nem nada, aproveitei o momento de ternura entre meu pai e eu, e inventei uma historia de ultima hora, a qual achei que me livraria bem a cara. Disse eu, que com uns trocados que o seu Gomes me deu de gorjeta, pensando exclusivamente em minha família, comprei algo delicioso…

E enquanto eles saiam para o quintal para tomar um ar após o jantar, eu fui até a cozinha e peguei uma porção dos geladinhos, os quais, servi a todos eles com grande entusiasmo, a fim de me livrar de vez daquele fedelho larápio de geladeira. 
O que aconteceu? Você nem imagina… 

Sim… A princípio, todos ficaram felizes por eu não ter me portado com egoísmo, e ter usado meu dinheiro para comprar sorvetes para toda família. Mas assim que meu pai, que foi o primeiro a experimentar o tal geladinho, fez uma cara estranha; eu não me aguentei, e comecei a rir. Até tentei esconder as gargalhadas com a palma da mão, mas meu pai que sempre desconfiava de tudo, principalmente de mim, e que não gostava de brincadeiras, já imaginou que eu pudesse estar de sacanagem, e esse fez uma cara tão horripilante que pensei: “Ai, ai, ai… Ele não gostou do sorvetinho de Tadeu”. 

E então? Oras… 
Ele me perguntou o que havia naquele sorvete. E eu, é claro, disse que não havia nada; que era um sorvete um tanto como os outros sorvetes.

Mas ai ele me perguntou de que sabor era aquele sorvete. E eu, sem saber o que responder disse: 

— Deve ser de abacaxi ou tamarindo! Não sei ao certo. 

E ele ficou ainda mais furioso, e me disse aos berros: 

— Seu imbecil! Do que adianta querer agradar a família, se não é capaz de escolher o sabor de um sorvete? Se compra um sorvete tão ruim quanto este? E isso não é tamarindo nem tão pouco abacaxi! Isso tem um gosto horrível e amargo, seu moleque! Você deve ter colocado alguma coisa ruim aqui de propósito, para zombar de todos nós. 

Quando ele disse “coisa ruim”, me deu uma vontade enorme de rir, mas me segurei.

— Eu? Meu querido pai, eu jamais faria isso, imagina, se eu iria colocar alguma coisa que eu soubesse que o senhor não aprecia, e dar-lhe para experimentar. 

E ele seguia cada vez mais bravo.

— Seu moleque safado, estou cansado de suas travessuras! Mas desta vez você me paga!

E eu dizia: 

— Pai! Eu juro que se tem alguma coisa estranha nesse geladinho, a culpa não é minha. Esse geladinho foi feito de Tadeu!

E nem assim ele acreditou, e ficou ainda mais bravo. 

— Ainda tem coragem de colocar a culpa em seu irmão que nem esta aqui? 

— Eu juro que não fiz nada! Tem que acreditar em mim! Eu sou inocente! Quero que este teto desabe sobre minha cabeça se eu estiver mentindo!

— Que teto seu imbecil? Estamos ao ar-livre. E não venha com essa conversa outra vez, de que não fez nada. Todos sabem que você é o culpado e ponto. E desta vez, farei com que pague o preço justo pelos seus atos.

— Ai! meu Deus… Agora ferrou de vez…

Se ele acreditou em mim? Claro que não! Ele me deu uma surra daquelas… 

O meu irmão? Eles acham que foi sequestrado, ou abduzido; mas na verdade, ainda tem um restinho dele lá na geladeira, pois como eu disse antes: ele não tem importância nenhuma nesta história; nem quiseram chupar o safado de tão ruim e insignificante que ele era… 

Mas o que é ainda pior que a surra, é o fato de meu pai, por pura birra, me obrigar a chupar um geladinho de Tadeu depois de cada refeição, até que eles se acabem.

Mas contudo, aprendi uma lição: Nunca conte mentiras. E se um dia for fazer sorvete de seu irmão mais novo, coloque bastante açúcar; assim, você evita de tomar uma surra, e de ser acusado injustamente.

Há! Já estava me esquecendo de dizer…

Outra vez, em que eu lhe contar uma história, e você me interromper tantas vezes como fez hoje, eu juro que lhe faço em pedaços. Mesmo que com isso, eu venha a ter “Sete anos de azar”.


Autor Convidado: Ricardo Altava





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