A UMA MOÇA QUE PASSA

Coisa mais tranquila: num sábado pela manhã, pegar seu carro, ir até o centro da cidade fazer tudo o que se deve fazer pra manter o lar e o universo alinhados e em harmonia.
Lá estava eu, nessa situação, me encaminhando para o lugar onde os chefões e patroas se encontram, quando, enquanto eu ainda estava dentro do carro em movimento, surgiu no meio da multidão de ocupadíssimos seres urbanos, alguém que parecia ser a única realidade do lugar. Traduzindo para uma tela surrealista, a garota (porque tem que ser mulher) estava vindo (olhar do leitor/observador), iluminada como se ela fosse a fonte de luz, enquanto todos os outros personagens, componentes do cenário, iam, obscurecidos. A imagem foi tão forte, que passei a acompanha-la com o olhar enquanto ela passava por mim e se afastava. Quando alguns carros que vinham atrás de mim começaram a buzinar, reclamando da minha lentidão e quase inércia, parei o carro, saí e abandonei-o ali, sob protesto e buzinaço dos demais transitantes.
Passei a seguir a moça, discretamente, que descia as ruas do centro, olhando vitrines e pessoas, mas de maneira vaga, como, se olhando, tivesse a certeza de que ela não precisava de nada ou de ninguém dali. Quando ela entrou num dos cafés, parei em uma banca de jornal da esquina e a observava enquanto fingia procurar e ler algumas revistas. Então, ela voltou sentou-se em uma das cadeiras que ficava à mesa do lado de fora, com se fosse um café francês, tirou uma revista de dentro da bolsa e passou a folheá-la, parecendo esperar que seu pedido fosse trazido. Antes, porém, respirei fundo e fui em direção de sua mesa e, sem pedir licença, me sentei e me apresentei:
  - Oi! Meu nome é Pedro – ela me olhava como quem dizia: foda-se. E o seu – fui incisivo e direto.
  - Fernanda. Por quê? – respondeu com tom de desdém.
  - É porque você passou por mim há alguns minutos a trás e achei, naquele momento, você a mulher mais linda do mundo. Então eu parei o carro, te segui até aqui, tomei coragem, me sentei e tô aqui perdido no turbilhão de palavras e pensamentos que vêm à minha cabeça e eu não consigo por em ordem.
Ela, então, esboçou um sorriso que teve que conter, pra não se mostrar ainda, por completo, e tentou me ajudar:
  - E agora? Você ainda me acha a mulher mais linda do mundo?
  - Não só mais linda, como também a mais simpática e inteligente. E sabe como eu meço isso?
  - Como?
  - A simpatia, por você ter me recebido em sua mesa sem medo e sem neura, com certa curiosidade, ou seja, você aceitou outro no seu espaço.
  - Hum! E a inteligência? – já com cara de quem analisa bem algo que quer, mas torce pra que não seja fácil de conseguir.
  - Pela roupa. Só uma mulher inteligente é capaz de compor um vestuário que destoe das demais sem parecer extravagante, fazendo com que a roupa apareça mais do que o corpo, nos restando apenas imaginá-lo e, quem sabe, mais tarde ter a graça de admirá-lo.
  - Você não é gay, é?
  - Não mesmo. Na verdade, você, até agora, é mulher que eu procurava em nem sabia; não sabia por que eu estava sossegado na minha rotina comum e tranquila, quando você passou e tirou do eixo.
   Ela já me olhava com cara de ou esse cara é louco ou eu realmente agradei, parecendo que queria sair dali.
  - Veja bem! Você é Loira, sempre tive fetiche por loiras; como eu já disse, é linda, simpática e inteligente; sentou pra tomar café no lugar em que eu também o faço, sempre que posso. Sei que parece clichê, mas eu não conheço outra maneira de saber isso sem ser assim: você vem sempre aqui?
  - Então vou mandar outro clichê: sempre que posso.
  - Puxa! A gente tá cada vez mais próximo. Se eu tivesse um tempo agora, e você quisesse me acompanhar, eu te levaria pra uma cidadezinha muito aconchegante que eu conheço e adoro. São Francisco de Assis. Conhece?
  - É minha cidade natal!
  - Não! Você já foi à feira literária da cidade?
  - Mas é claro! Eu e meus amigos vamos todos os anos.
  - Putz! Você sabia que eu, às vezes, me meto a fazer versos?
  - E eu, às vezes, me meto a ler alguns.
   Nesse momento, me veio à cabeça uma canção na cabeça, que comecei a cantarolar e assobiar. Ela continuou cantando a canção, sem errar um só trecho da letra ou da melodia.
  - Você canta também!?
  - É uma das coisas que faço como profissão. Mas, de graça e espontaneamente, só quando estou a fim de agradar.
  - Agora só falta você dizer que é solteira?
  - Há uma semana.
  - Pra terminar com chave de ouro; se você disse que se interessou em sair comigo no próximo dia livre, eu me apaixono.
  - Então, estamos ambos apaixonados.
  - Na sexta ou no sábado?
  - Acho que nos dois. Na Sexta, eu ensaio com meu grupo choro; você poderia assistir e depois a gente sairia pra beber e bater mais um papo.
  - Perfeito!
   Trocamos telefones, e-mails, beijos e galanteios e, antes de nos despedirmos, fui com essa:
  - Só uma coisa: vai ser minha primeira vez.
  - A sair com uma mulher?
  - Não. A sair com a mulher que procurava sem saber.

AUTOR CONVIDADO: ALEXANDRE CIMATTI

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